08 September, 2005

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ratifica: Brasil gasta pouco em ensino e saúde e não supre décadas de atraso

Investimento em educação não supre décadas de atraso; em saúde, gasto privado é maior do que o público

Lisandra Paraguassú escreve para "O Estado de SP":

A melhora nos índices de educação e saúde foram os responsáveis, nos últimos anos, por fazer o Brasil subir no ranking de desenvolvimento social das Nações Unidas. No entanto, o País gasta muito menos do que deveria.

O relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado anteontem, mostra que ele aplica 4,2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em educação. É pouco menos do que Espanha (4,5%) e Alemanha (4,6%). Na realidade, são décadas de diferença.

Enquanto os países desenvolvidos já têm sistema educacional de qualidade, acessível a todos e estável, o Brasil ainda engatinha. O ensino fundamental tornou-se universal (mais de 90%) há menos de uma década.

O ensino médio ainda não chega à metade dos estudantes. Apenas 9% dos jovens estão na Universidade.

"A dívida histórica brasileira na educação é tão grande que o País não pode investir 4,2% em educação. Teria de investir muito mais", afirma Jorge Wertheim, representante da Unesco no Brasil.

Na América Latina, o Brasil tem nível de investimento igual ao Chile, semelhante à Argentina e inferior ao México.

O Plano Nacional de Educação, aprovado em 2000 pelo Congresso, previa chegar a 7,5% do PIB em dez anos, mas o artigo foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

"Nosso passivo histórico precisa de um esforço muito maior que o atual", disse o secretário de Educação Continuada e Diversidade do Ministério da Educação, Ricardo Henriques.

"Esse é o sentido do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica). Aumentar significativamente a participação da União no financiamento da educação."

O projeto que cria o Fundeb prevê investimento de R$ 4,3 bilhões por ano da União na educação básica. Hoje é de cerca de R$ 400 milhões.

O Ministério da Saúde passa pela mesma discussão. O relatório do IDH mostra que o País gasta, em recursos públicos, apenas 3,6% do PIB em Saúde.

O gasto privado – pagamento próprio ou plano de saúde – chega a 4,3%.

"Todos os países que têm sistema de saúde universalizado como o Brasil gastam muito mais tanto no per capita quanto no gasto público", afirma José Gomes Temporão, secretário de Atenção à Saúde.

Ele próprio aponta uma distorção: o gasto privado no Brasil, para atender 35 milhões de pessoas, é maior do que o investimento público para atender os demais 145 milhões.

"Contamos com a regulamentação da emenda constitucional 29, que regulariza o fluxo de recursos para Saúde." A medida traria de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões a mais por ano para a Saúde.

Nos dois ministérios, a preocupação é aprovar emendas para melhorar o investimento. Ambas, porém, não têm previsão para votação.
(O Estado de SP, 8/9)

Brasil melhora pouco no IDH e mantém posição e desigualdades

Índice subiu de 0,790 para 0,792, mantendo o país na 63.ª colocação no ranking; saúde e educação melhoram, mas renda cai

Lisandra Paraguassú e Renata Cafardo escrevem para "O Estado de SP":

O Brasil melhorou, mesmo que muito pouco, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado pelas Nações Unidas. Apesar de continuar na 63ª colocação entre 177 países, o índice, calculado com base em dados de renda, educação e saúde, subiu de 0,790 para 0,792 e coloca o país um pouco abaixo da Rússia e da Malásia e com o mesmo índice da Romênia.

Mas, apesar da pequena melhora, o país continua tão desigual como nos anos anteriores. Apenas oito nações conseguem ter diferenças maiores entre pobres e ricos do que o Brasil.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), responsável pelo estudo, usa essas três áreas - analisando a expectativa de vida, a taxa de alfabetização e de matrícula e a renda per capita - para fazer o cálculo. Quando mais próximo a um, melhor a situação do país. Este ano, o IDH foi calculado com base em dados de 2003.

O avanço brasileiro, ainda que pequeno, aconteceu em saúde e educação. A taxa de matrícula subiu de 90% para 91% e a expectativa de vida, de 70,2 anos para 70,5 anos. Já a renda caiu. No cálculo do Pnud, de US$ 7.918 PPP para US$ 7.790 - PPP é a paridade do poder de compra, que calcula não a conversão real, mas quanto se pode comprar com a moeda.

"Neste ano tivemos um crescimento de apenas O,5% do Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado chegamos a 4,5%. Isso vai ter um impacto significativo no IDH do ano que vem", disse a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, durante a apresentação do relatório. A possibilidade é real.

O PIB per capita representa um terço do cálculo do IDH. No entanto, o Brasil vai continuar muito para trás em outro indicador, o que mede a desigualdade. De novo o país ficou entre os piores do mundo nesse quesito. É o oitavo mais desigual do mundo e está na companhia de países extremamente pobres, como Lesoto, Namíbia e Suazilândia. Na América Latina, apenas a Guatemala tem um índice pior.

Pobres x ricos

O estudo do Pnud mostra que os 10% dos brasileiros mais ricos ficam com 46,9% da renda do país, enquanto os 5% mais pobres ficam com apenas 0,7%.

Uma comparação feita pelo Pnud mostra como a situação dos pobres brasileiros é ruim. Apesar de o país ter uma renda per capita três vezes maior do que a do Vietnã, a população mais pobre brasileira consegue ter apenas a mesma renda dos vietnamitas mais pobres.

Uma outra projeção mostra ainda que, se em vez do PIB per capita for usada apenas a renda dos 20% mais pobres, o país cairia 52 posições e ficaria ao lado de Honduras e Bolívia, na 115ª posição.

"A extrema desigualdade limita o crescimento dos países, o desenvolvimento econômico e até a legitimidade política de alguns governos", disse Ricardo Fuentes, do escritório do Pnud em Nova York, onde foi preparado o estudo.

Apesar dos problemas, o resultado do relatório agradou à ministra Dilma Rousseff. O índice atual deixa o Brasil muito próximo da linha de alto desenvolvimento (0,800), onde estão Argentina, Chile, Uruguai e México.

"Com o impacto do crescimento do PIB, combinado com as políticas sociais do governo, vamos ter um crescimento significativo no IDH no ano que vem, que pode nos levar para o 0,800", disse a ministra. "Temos todas as condições de sair desse limiar e entrar na área de alto desenvolvimento."

Entrar na área de alto desenvolvimento, no entanto, pode significar pouco. No caso brasileiro, significa elevar as médias nacionais de educação, saúde e renda, mas deixar para trás parte da população. Nas taxas atuais de crescimento econômico, de acordo com o Pnud, os 20% mais ricos do Brasil continuam recebendo uma parte da riqueza 30 vezes maior do que os 20% mais pobres.

"É preciso estimular o crescimento em favor dos pobres, para que eles obtenham uma parcela maior da riqueza. No Brasil, se isso fosse feito, o tempo necessário para que a pobreza no país caísse pela metade seria reduzido em 19 anos", disse Lucien Muñoz, representante interino do Pnud no Brasil.

"Sem crescimento um país como o Brasil não consegue suprir as necessidades da sua população, mas apenas o crescimento não é suficiente", reconheceu Dilma Rousseff.

Revisão faz país subir no ranking de 2004

No ano passado, o Brasil apareceu em 72º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (Pnud), no entanto, atualizou e revisou os indicadores este ano. Por causa dessas mudanças, além da divulgação do relatório de 2005, foram recalculados os números de 2004. Assim, o Brasil passou para a 63ª posição, a mesma alcançada no relatório divulgado ontem – em 2003 havia ficado na 65ª.

A revisão ocorreu depois de muita confusão. O resultado de 2004 irritou o governo brasileiro. O então ministro da Educação, Tarso Genro, reclamou publicamente pelo fato de a ONU usar dados de alfabetização e matrícula defasados. Depois disso, o próprio governo brasileiro repassou para a Unesco, que compila os dados de educação, novas fontes para as informações.

O IDH leva em conta dados de 177 países sobre longevidade, educação e renda. São usadas as informações sobre taxa de alfabetização, taxa de matrícula no ensino básico, PIB per capita e expectativa de vida. A cada ano, um relatório e o ranking são produzidos com os indicadores mais recentes, normalmente que retratam o país de dois anos antes.

Os dados de cada nação são fornecidos por agências estatísticas internacionais ou outras instituições especializadas, como Unesco e Banco Mundial. A partir deles, uma equipe independente escolhida pelo Pnud calcula o IDH.

O índice varia de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). países com IDH até 0,499 têm desenvolvimento humano considerado baixo; os de índices entre 0,500 e 0,799 - como o Brasil - apresentam médio desenvolvimento humano; e IDH superior a 0,800 significa desenvolvimento humano alto.

O primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) foi divulgado em 1990. O objetivo, segundo a ONU, era mostrar que as condições de vida dos cidadãos de cada país são importantes quando se fala em desenvolvimento. O relatório de 2005 servirá de subsídio para a Assembléia Geral das Nações Unidas, que começa no dia 14.

Este ano foi feita uma revisão e atualização dos indicadores, tanto na metodologia quanto nos dados usados.

A taxa de alfabetização do Brasil, por exemplo, é fornecida pela Unesco. Para o relatório de 2005, a entidade atualizou os dados com informações conseguidas a partir de estudos e pesquisas nacionais.
(O Estado de SP, 7/9)

No comments: