24 August, 2005

Nádia Rebouças, pioneira da responsabilidade social no Brasil: Compre Consciência


Pioneira na responsabilidade social no país, a publicitária Nádia Rebouças defende que as mesmas ferramentas usadas para propagandear produtos sejam utilizadas para “vender” cidadania

Tatiana Csordas

A história da paulista Nádia Rebouças se confunde com o despertar da consciência social no Brasil. Radicada no Rio de Janeiro, a publicitária ajudou a organizar a Eco92, marco da preocupação ambiental no mundo. No ano seguinte, integrou-se à equipe da Campanha Ação da Cidadania, contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada pelo sociólogo Betinho. Destas experiências, recolheu a lição de que as mesmas técnicas usadas para vender refrigerante e sabonete servem para “vender” cidadania. Há mais de dez anos, Nádia largou uma agência multinacional para abrir uma empresa de consultoria em comunicação que enfocasse mais o planejamento e a estratégia – dois dos temas preferidos dela. Outro é a responsabilidade social, em que a publicitária se tornou uma especialista. Atualmente, ela está envolvida no lançamento de uma campanha contra o racismo e em outra que denuncia a violência contra a mulher. Todas como voluntária. Mas pensaria na hipótese de fazer propaganda de bebida alcoólica. “Eu sou uma pessoa normal. Mesmo com toda a conscientização, continuo fumando.

Você já esteve na diretoria de uma grande agência multinacional. O que a fez mudar de rumo?
Eu era diretora de planejamento da Thompson, no Rio de Janeiro, e estava vivendo uma grande experiência internacional, quando a agência ganhou a conta da Esso. Depois que vencemos, passei a ser vista como concorrente para cargos gerenciais. E o ambiente de trabalho começou a se tornar mais competitivo. Daí eu pensei: “Vou cuidar da minha vida”. Saí de lá e abri minha empresa. Esse ato foi muito importante, porque, dali em diante, comecei a construir um pensamento meu.

E o que a despertou para a responsabilidade social?
Em 1991, minha agência foi contratada para fazer a programação do Aterro do Flamengo para a ECO 92. Nosso trabalho era preparar o evento para receber todas as ONGs internacionais. Aí eu descobri uma nova tribo, que não sabia que existia: as organizações não-governamentais. Tomei contato com a questão do meio ambiente, do social e passei a trabalhar para ONGs. Eram clientes novos, que queriam vender não um sabonete, mas uma idéia. Eu começava, então, a trabalhar com o que eu chamava de marketing de idéias.

Esse seria o novo papel da publicidade e da comunicação: vender idéias?
Eu enxergo a comunicação como uma forma de educar. Os comerciais nos ensinaram a consumir bebida, a fumar, a um monte de coisas que não faziam parte da nossa vida e agora fazem. Mas a comunicação também pode ser utilizada para ensinar outras coisas. Se estamos querendo que as pessoas usem a água e a energia de forma racional, é possível usar a publicidade para isso. Assim, você pode vender um comportamento, um estilo de vida mais responsável, utilizando as mesmas ferramentas usadas para vender produtos. Portanto, o marketing de idéias busca levar as pessoas a refletir sobre questões que não estão sendo tratadas corretamente. Um exemplo é o meio ambiente. Há muita informação nova para ser discutida e ainda muitos comportamentos que precisam mudar.

Qual sua opinião sobre as empresas que buscam vender uma imagem de socialmente responsáveis?
Eu não acredito que a gente tenha de fazer propaganda do que faz de social. Mas não sou contra. Se a empresa está fazendo algo que pode virar uma política pública, que pode influenciar outras companhias, tem mais é de contar o que está construindo e fazendo. Mas meu interesse vai além disso. Um exemplo do tipo de trabalho que deve ser feito é uma campanha sobre racismo que estamos desenvolvendo. O racismo é um problema grave no Brasil. Mas, normalmente, quando um trabalho desses cai na mão de uma agência de propaganda, não há uma compreensão do problema, não se consultam acadêmicos e outras pessoas que já pensam a questão. Aí acaba virando só um filminho, com um ator ou um esportista negro famoso. Há anos se faz assim, e a realidade não mudou. É preciso pensar o problema sob um novo ângulo. Na nossa campanha, estamos perguntando para as pessoas na rua: “Onde você guarda seu preconceito?”. E o espantoso é que ninguém diz: “Eu não guardo”. Todo o mundo diz algo. A campanha acaba tendo um papel de instigar uma mudança social.

Muitas empresas fazem ações sociais para a comunidade, mas não garantem uma boa condição para seus próprios funcionários.
O consumidor está cada vez mais consciente disso. Dizem que um indivíduo é capaz de influenciar a opinião de 18 a 20 pessoas. Imaginem uma Petrobras, que tem aquele monte de empregados espalhados pelo país inteiro. Por isso, a empresa valorizou os trabalhadores na campanha comemorativa dos 50 anos. Agora, você tem toda a razão quando fala que há empresas que só fazem ações externas para aparecer. Isso entrou na moda. E moda é algo típico do mundo da administração de empresas. É como se existisse algum processo mágico que fosse a salvação para todos os problemas das companhias.

Então há modismos dentro da responsabilidade social...
Há alguns detalhes que são modismos e que vão desaparecer naturalmente. Por exemplo, o fato de as empresas se preocuparem tanto em fazer propaganda das suas ações. Isso não se firma com o tempo. O que não deve desaparecer, no entanto, é o conceito de que as pessoas são importantes na construção de qualquer empresa. E, nesse sentido, o balanço social é fundamental, porque estabelece um processo de reflexão sobre todas as mazelas da companhia. O cara tem de preencher se tem creche, quantos negros trabalham etc. De repente, percebe que todos os funcionários negros são operários. No ano seguinte, o departamento de RH já pensa: “Deve ter um negro que possa ser gerente”. As empresas também começam a se dar conta de que precisam abrir espaço para portadores de deficiência. Isso que é importante e não fazer um comercial para dizer: “Se você comprar esse produto, 50 centavos vai para a creche tal”.
Há pensadores defendendo que empresas e milionários não devem fazer caridade e sim gerar lucros e, conseqüentemente, mais empregos. Nessa visão, o papel de investir no social seria exclusividade do governo. Qual sua opinião?
Eu acho que cada milionário deve pensar em quantos procedimentos anti-sociais foram feitos para que ele chegasse até ali. Se todo o mundo hoje consumisse como os europeus, seriam necessários quatro planetas Terra. As três pessoas mais ricas do mundo têm ativos equivalentes aos dos 48 países mais pobres. Hoje, os problemas são tão imensos que o governo sozinho não dá conta de resolvê-los. Tanto o governo quanto as empresas têm obrigação de possuir um olhar social, e cabe a nós cobrar isso deles. Não tem cabimento o governo recolher a quantidade de impostos que recolhe sem compromisso de desenvolver o país. Ou vai continuar se construindo grade e colocando proteção nos carros? Nesse contexto, não há como a empresa achar que não tem de se envolver com o desenvolvimento social e ambiental. E são as multinacionais que têm penetração mundial – e não os governos. Isso também já vale para ONGs como o Greenpeace e o WWF, que são marcas muito fortes, verdadeiras multinacionais sociais.

O governo Lula assumiu empunhando a bandeira do social, mas é justamente nesse quesito que ele recebe as maiores críticas. Como você avalia o PT na presidência?
Houve avanços, mas ainda há muito o que fazer. Existem projetos inovadores, como o Fome Zero, mas os problemas do país são graves demais. Há ainda questões culturais que atrapalham os resultados. Os órgãos públicos têm muitos problemas de gestão, e a cultura administrativa é corporativista e arcaica. Além disso, a máquina do governo é pesada e burocrática, e a sociedade civil tem sido pouco ouvida, inclusive as ONGs que ajudaram a pensar os programas de governo.

Há empresas que abatem do imposto os investimentos sociais – há leis estaduais e federais que permitem essa prática. Elas não estão fazendo caridade com o chapéu alheio?
Sem dúvida, isso está acontecendo. Nós do Terceiro Setor dizemos às empresas que, quando elas fazem isso, ainda não chegaram ao estágio da responsabilidade social. Mesmo assim, é melhor que a companhia faça as ações e use os incentivos fiscais do que ver o dinheiro sumir no governo. Eu, por exemplo, acabei de patrocinar um filme com o imposto da Rebouças & Associados. Você não tem idéia da felicidade em ver meu dinheiro servindo para fazer alguma coisa. Há uma conscientização do uso desse dinheiro que antes não existia. Quando o imposto se perde no governo, a gente não sabe para onde vai. Então, é melhor que as pessoas mesmo escolham onde querem ver seus impostos aplicados e invistam em projetos sociais ou culturais que acreditem.

Você costuma dizer que não acha mais apropriado o termo consumidor. Mas não é isso que fazemos: consumir?
O consumidor não quer mais ser consumidor, quer ser interlocutor. Com isso, muda tudo. Consumir quer dizer gastar, jogar fora tudo o que a gente construiu nesse último século. Mas quando a consciência das pessoas aumenta, elas não querem mais ser consumidoras. Passam a olhar a bula do remédio e entram no site do laboratório para averiguar se o medicamento faz aquilo que diz que faz. Hoje em dia, o consumidor não engole mais tudo goela abaixo. Ele pensa. Essa mudança gera até novos mercados. É o caso dos alimentos orgânicos. Mesmo sendo mais caros, há hoje pessoas que só compram esse tipo de produto. Pagam mais, mas estão fazendo uma escolha consciente.

A propaganda tradicional funciona para esse novo consumidor?
Não. E a publicidade já está em transformação. Na televisão, a mensagem da propaganda é diferente do que era há seis anos. Todas as grandes marcas estão com uma linguagem forte. Conversam mais com cada cliente, ou estão alertando: “Beba com moderação”. A internet também está permitindo uma maior aproximação com os clientes. Daqui a pouco, vamos ver comerciais assim: “Nesses 30 segundos não vai dar para explicar nada para você, mas se quiser saber mais sobre a gente, entre no site...”. Mas a propaganda tradicional ainda funciona no varejo, quando se quer uma resposta de venda imediata. Só que na hora em que estamos construindo fidelidade, temos de conversar com o cliente. E a linguagem tradicional da propaganda é autoritária demais para esse consumidor mais amadurecido. Além disso, as empresas passaram a perceber que antes de levarem a marca para a televisão, para atingir outros formadores de opinião e clientes, elas têm de construir a sua imagem interna. Não adianta colocar um comercial no ar e ter 1.200 funcionários falando mal da empresa o tempo todo. Com isso, as verbas da propaganda tradicional diminuíram.

Você já fez propaganda de bebida alcóolica? Faria hoje em dia?
Eu faço propaganda de tudo. Eu fiz a campanha do Danoninho. E não só colocamos o produto na casa do consumidor, como dissemos que valia por um bifinho. Talvez hoje eu fosse olhar com mais cuidado, para ver se o produto tinha mesmo tantas proteínas. Mas já trabalhei com todas as categorias. Em propaganda de bebida, acredito que se deve resgatar o prazer de beber. Desde que o mundo é mundo, o homem sempre bebeu. Mas isso estava inserido no contexto de prazer e hoje está relacionado a fuga, depressão. Eu pegaria uma conta de bebida para fazer um trabalho diferente.

Mas as propagandas de bebida também apelam para o prazer. As cervejarias usam muito a figura da mulher – e inclusive são criticadas por isso.
O que existe hoje não é mais o que aparecia há três meses. Mesmo as fabricantes de cerveja começam a criar regras para a propaganda. Mas é certo que qualquer produto que use a mulher vai continuar vendendo. As empresas não fazem isso porque querem, mas porque funciona. Mas será que é a melhor maneira de agirmos? É isso que a gente quer? A população começa a cobrar uma nova atitude, e a publicidade tem de reagir.

E qual sua opinião sobre a propaganda de cigarro, que hoje é proibida?
Eu fumo até hoje, mesmo com toda a conscientização sobre os males do cigarro. E acho que o certo é estar escrito lá “faz mal”, e a pessoa ter a chance de escolher. Mas a minha opinião é de que não se deve veicular propaganda de cigarro. Essa proibição é mais uma prova de que a sociedade escolhe o que quer. Se sabemos que faz tão mal, não deve ser propagado. As empresas deveriam, sim, investir em cigarros que não fossem prejudiciais à saúde. Hoje, o cigarro é símbolo de quem não tem consciência. E eu sou mais uma vítima desse negócio. 

Fonte: http://amanha.terra.com.br/edicoes/203/entrevista.asp