30 August, 2005

“DANÇA PELO TEMPO”, performance de Maribel Barreto hoje na Rua Uruguaiana


Este trabalho de Maribel é muito estimulante. Lembra-me a meditação de monges budistas em meio às ruas de Tóquio.

Ela honrou-me pesquisando sobre o assunto tb. em um livro meu, originalmente publicado pelo Núcleo de Estudos de Comunicação e Consciência/ECO/UFRJ que coordeno, e que está esgotado e para ser relançado por uma editora comercial:

"Em tempos de velocidade e superficialidade, mais do que nunca a saída do tempo é o caminho da cura".

Textos de Maribel Barreto sobre este trabalho:

Performance
“DANÇA PELO TEMPO”
Hoje, às 15 horas.
Na Rua Uruguaiana
Percurso: 200 metros
(entre as Ruas Reitor Azevedo Amaral e Sete de Setembro)
Duração: 1 hora
Performer: Maribel Barreto
Captação de Imagens: Pedro Kiua
Assistência em Produção: Carla Cristina Silva

Quando penso em Tempo, em Shiva, em Hélio Oiticica, em corpos, não consigo visualizar outra coisa senão dança. A Dança é a possibilidade de transformação através da repetição, é o caminho que a alma encontra para se expressar.

Inicialmente quando senti o desejo de realizar esta performance, parti da possibilidade do movimento mínimo. Atravessar uma via pública com menor passo possível, ou seja, andar a passo de tartaruga. A idéia inicial era radicalizar o ato de caminhar. Opor radicalmente à correria insana do dia a dia. Isso, claro, tomaria horas; eu levaria mais ou menos 30 horas para percorrer a distancia de 200 metros. Sobre-humano! Meu corpo não aceitava essa possibilidade e quando eu tentava ilustrá-lo sentia enfado.

Ao longo do processo fui percebendo outras nuances e possibilidades de movimento para falar da mesma coisa.

As mutações deste trabalho começaram a acontecer já logo no primeiro contato que tive com Pedro *, ao telefone, depois de ouvir um breve enunciado sobre o trabalho, Pedro com uma única frase colocou a nocaute o pensamento pré-estabelecido que eu já tinha deste trabalho. Respirei fundo, dei as respostas possíveis para aquele momento e desliguei o telefone com a missão de elaborar com profundidade minhas questões. Agora, mais do que nunca eu precisava de Pedro na equipe.

Num primeiro momento, pensava em criar uma figura mitológica, o figurino que eu criara era por demais espalhafatoso. Ao fazer a prova percebi que nada daquilo fazia sentido, me causava um grande mal estar. Lembrei-me de Shiva: “Vá além das aparências” e o figurino desintegrou.

Rizoma. Shiva. Helio Oiticica. Cidades. Ruas. Druidas. Tempo. Corpo. Einstein. Tempo circular. O futuro é agora. Tempo orgânico. Biorritmo. Quando me dei conta meu corpo dançava, senti um grande alívio e pude pela primeira vez experienciar com prazer o que poderia ser este trabalho.

Neste dia 31 de agosto teremos um sol em virgem em oposição a urano, o planeta do despertar. Lua em conjunção a saturno em leão, dando o tom da disciplina no dia. Marte em touro nos dizendo: “Devagar que estou com pressa”. E Vênus dando o ar de sua graça no signo de libra. Os aspectos celestes deste dia são muito interessantes, mas isso já é outro assunto, que não discutirei aqui. Apenas quero dizer que o céu nos abençoa a todos. O amanhã age no hoje. Ele conclama aos homens ao renascimento.

Quero desde já agradecer a todas as pessoas que me ajudaram neste trabalho, Denise pelo equipamento e apoio logístico, Lalita pelos florais, Phillippe pelo apoio emocional e espiritual, Evandro pela possibilidade de pesquisa, Carlinha pelo bom humor e produção, Pedrão pelas ferroadas constantes, Pedro pela dedicação carinhosa e força criadora neste trabalho. De todo o meu coração agradeço muito a vocês que direta ou indiretamente me ajudaram a crescer.

* Pedro Kuia – Capitação de imagens para vídeo dança.

DEDICO ESTE TRABALHO Á SHIVA.

SALVE SHIVA TRANSFORMADOR!!!

A performance Dança pelo Tempo, tem o objetivo de ocupar espaço público, dando um sentido distinto ao qual ele inicialmente é destinado.

Nesta Dança pelo Tempo, proponho a possibilidade de meditação mesmo que estejamos submersos no caos. Nas ruas onde tudo acontece simultaneamente, sem que tenhamos controle, também pode ser um espaço para o encontro consigo mesmo, já que vivemos em alta voltagem sob as rédeas da neurose do tempo perdido tateando no escuro o futuro que não está em lugar nenhum.

A escolha da Rua Uruguaiana se dá por ser ela uma rua onde o fluxo diário de transeuntes é intenso, a intenção é deslocar meu corpo em movimento mínimo buscando inspiração nas danças sagradas; pretendo com isso criar uma atmosfera meditativa, de leveza e de serenidade, exatamente para se opor ao ritmo acelerado do dia a dia.

É como tatuar. A rua é a pele, onde se tatua a performance. Quem for atravessado por esse movimento performático, passa a ter pra si esta imagem, e cada vez que voltar às calçadas tatuadas poderá fazer uma releitura da mesma imagem. A rua performeada passa a ter novo sentido poético.
A Performance terá inicio ás quinze horas do dia trinta e um de agosto de dois mil e cinco, na Rua Uruguaiana, entre as ruas Reitor Azevedo Amaral e Sete de Setembro, serão duzentos metros percorridos em uma hora de dançaperformance.

Bibliografia:

1 - CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. Cia das Letras

2 – EINSTEIN, Albert. Como Vejo o Mundo. Nova Fronteira

3 – ACUIO, João. Céu em Transe. Camaleão

4 – OURIQUES, Evandro Vieira. Tempo e Eternidade. Núcleo de Estudos de Comunicação e Consciência/ECO/UFRJ

5 – RUDHYAR, Dane. Uma Mandala Astrológica. Pensamento

6 - JACQUES, Paola B. Estética da Ginga – A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Casa da Palavra e PPG-AU/FAUFBA

Filmografia:

1 – Baraka. Ron Frikie. 1992

Dança de Shiva
Letra e Música: Gilberto Gil / 1995 / Disco: Quanta

Dança de Shiva
Repare a dança de Shiva
Enquanto a reta se curva
Cai chuva da nuvem de pó
Fraude do Thomas
Repare a fraude do Thomas
Os deuses todos em coma
Enquanto Exu não dá o nó

Nó se dá um só
Se dói de dó
Se mói na mó
Pulverizar
Se foi na avó
No neto irá

Não, não irá
Quiçá morrerão
Deuses em coma
Homens em vão
Pela ciência
Pela canção
Deuses do sim
Deuses do não

Quem me vir dançar
Verá que quem dança é Shiva
Quem dança, quem dança é Shiva
Quem me vir já não me verá
Verá no Thomas
Por trás da fraude do Thomas
Alguns verazes sintomas
De um passageiro mal-estar.

Cidades Invisíveis
Ítalo Calvino
Companhia das Letras
Pág 27

- Os outros embaixadores me advertem a respeito de carestias, concussões, conjuras; ou então me assinalam minas de turquesa novamente descobertas, preços vantajosos nas peles de marta, proposta de fornecimento de lâminas adamascadas. E você? – o Grande Khan perguntou a Polo. – Retornou de países igualmente distantes e tudo o que tem a dizer são os pensamentos que ocorrem a quem toma brisa noturna na porta de casa. Para que serve, então, viajar tanto?
- É noite, estamos sentados nas escadarias do seu palácio, inspire um pouco de vento – respondeu Marco Polo. – Qualquer país que as minhas palavras evoquem será visto de um observatório como o seu, ainda que no lugar do palácio real exista uma aldeia de palafitas e a brisa traga um odor de estuário lamacento.
- O meu olhar é de quem está absorto e medita, admito. Mas e o seu? Você atravessa arquipélagos, tundras, cadeias de montanhas. Seria melhor nem sair daqui.
O veneziano sabia que, quando Kublai discutia, era para seguir melhor o fio de sua argumentação; e que as suas respostas e objeções encontravam lugar num discurso que ocorria por conta própria na cabeça da Grande Khan. Ou seja, entre eles não havia diferença se questões e soluções eram enunciadas em alta voz ou se cada um dos dois continuava a meditar em silêncio. De fato, estavam mudos, os olhos entreabertos, acomodados em almofadas, balançando nas redes, fumando longos cachimbos de âmbar.
Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para chegar até lá, e reconstituía asa etapas de suas viagens, aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza em que corria quando era criança.
Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompê-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido como uma pergunta como:
- Você avança com a cabeça voltada para trás? – ou então: - O que você vê está sempre ás suas costas? – ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?
Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava á medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.
Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver o seu passado? – era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: - Você viaja para reencontrar o seu futuro?
E a resposta de Marco:
- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.

No comments: